Elihu Root, Município de Araras, SP


Elihu Root
*conforme visto pelo autor deste site

Eis aqui um lugar meio que perdido entre a cidade de Araras e o rio Mogi-Guaçu. Normalmente, quem o conhece são apenas os ararenses e gente que faz "turismo não-usual", como eu, que estou sempre atrás de descobrir o que sobrou de velhas estações ferroviárias. Elihu Root é uma delas. Seu curioso nome é uma homenagem ao primeiro americano com cargo de alto nível no Governo daquele País que visitou o Brasil, em 1906. Como um dos principais secretários de Estado do Presidente Theodore Roosevelt, Root veio como Presidente da Conferência Pan-Americana que aconteceu no Rio de Janeiro nesse ano. Além disso, ele visitou a estação nesse ano, pois foi convidado para conhecer a fazenda Santa Cruz, na época pertencente a Elias Antonio Pacheco Chaves e grande produtora de café. A história vai mais longe, pois, no retorno, já noite, ele parou para cumprimentar seus compatriotas na estação de Villa Americana (hoje Americana), tendo sido recebido à luz de inúmeras tochas que podiam ser vistas ao longe - não para ficar bonito, mas porque era a única iluminação de que a estação e a pequena vila possuíam na época. Apesar da homenagem, de certa forma, se justificar - ele era realmente uma personalidade na época e, afinal, embarcou e desembarcou ali - a localidade e a estação tinham um nome antigo e tradicional: Guabiroba, ou Gabiroba, uma frutinha abundante na região. Várias fazendas de café utilizavam-se da estação, como a própria Santa Cruz (que mais tarde passou a ser propriedade da família Crespi) e a fazenda Arary. O nome estava tão enraizado que até hoje, mais de cem anos depois da troca do nome, ainda há gente que conhece o local por Guabiroba. Estive pela primeira vez ali em 1996. O acesso para lá se dá por uma estrada, hoje asfaltada e que, como único acesso ao centro do município, parece ser uma trilha muito antiga. Nunca segui alem do pequeno bairro rural, que deve estar a uns 3 ou 4 quilômetros da cidade. A estrada, porém, continua até encontrar o rio Mogi-Guaçu, não muito longe dali. Segundo quem conhece, há um barzinho muito agradável às suas margens onde muita gente se reúne para tocar musicas no violão. Em Elihu Root, a estrada cruzava a linha do chamado ramal de Descalvado. Para quem vem de Araras, a estação e seu armazém estão à esquerda, no sentido de Leme e, para a direita, pelo meio da mata a ferrovia seguia para Loreto e Araras. Em 1996, isto era verdade. Hoje, 2008, a linha já não mais existe (desde 1998) e sobram apenas os trilhos que cruzam a estrada, semi-cobertos pelo asfalto como se fosse um enorme sacrifício para manter o restinho do ramal que um dia tornou rica a região. Antes da linha, ao lado da estrada, existem alguns sítios e entradas para casas do bairro. No que foi o antigo leito da ferrovia, hoje há mato e uma ou outra entrada de terra que dá acesso ao armazém em ruínas - bela construção de tijolinhos de 1884, a uns 20 metros da estrada e igual ao de Araras, recentemente restaurado. Um pouco além, a estação, tão degradada quanto o armazém, totalmente devassada, com boa parte das pecas de madeira roubadas e parte da cobertura da plataforma já desabou há alguns anos. Pequena, mas bela, é um retrato do abandono. Pouco mais além, algumas casas de turma que servem como moradia, tendo a caixa d'água de ferro como mais uma peça no conjunto. Do lado de lá da antiga linha, algumas casas habitadas, simples e simpáticas. Uma delas, a da esquina, é bem antiga, talvez do século XIX, algo descaracterizada,mantendo muitas características de época. Nessa casa, que foi recentemente reformada pelo dono, que mantém uma maravilhosa varanda em L no seu jardim interno, compareci há uns cinco anos a uma festa num sábado à noite, patrocinada pelo filho do morador, descendentes de proprietários de fazendas de Araras
Mr. Elihu Root em 1902


Mr. Elihu Root, em 1902 (Acervo Ralph M. Giesbrecht;
fotografia cedida em 1887 por Elihu Root III)
de longa data. Ali, numa noite memorável para mim, tive a oportunidade de ouvir Ivana e seus amigos cantarem e tocarem em seu violão músicas compostas por ela sobre temas regionais: o rio Mogi, Gabiroba - ela sempre chama o bairro assim, sem o "u" - e outros. A música que homenageia Guabiroba é simplesmente uma obra-prima de simplicidade e amor à terra. Por causa de minha admiração por esse pequeno bairro e principalmente por sua estação tão sofrida, conheci há mais de dez anos o neto de Elihu Root - por e-mail e por carta - um senhor que morava na mesma cidade de seu avô e que faleceu alguns meses depois de nosso contato. Guardo até hoje a carta que sua esposa Molly me enviou notificando sua morte. Em texto comovente, a velha senhora me convidava a visitar a cidade de Clinton para discutir "os fantasmas de Elihu Root" - em inglês, ela chamou de "the haunts of Elihu Root". Infelizmente, nunca mais tive noticias de Molly Root nem tive a oportunidade de visitar Clinton, no Estado americano de New York. Essa historia levou-me a escrever, logo depois, o texto As Três Mortes de Elihu Root, publicado em alguns jornais da região e depois incluído no meu livro Caminho para Santa Veridiana, em 2003. É por tudo isso que considero Guabiroba um local mágico.

As Três Mortes de Elihu Root

(Publicado na "A Tribuna", de Santa Cruz das Palmeiras, de 04/03/2000,
e no meu livro "Caminho para Santa Veridiana", Editora Cidade, 2003)

Não pode haver nada mais poético do que uma velha estaçãozinha de trem abandonada no meio do mato. Quantas histórias elas não podem nos contar? Existem várias pelo interior afora: uma delas se chama Elihu Root. Está lá, perto de Araras, em ruínas e com o mato crescendo a seu redor. Conheci-a há cerca de três anos atrás. Quem vinha de trem para Santa Cruz das Palmeiras, de São Paulo, obrigatoriamente passava por ela. Com o nome de Guabiroba, ela foi inaugurada em 1877, e em 1891, foi construído o prédio que hoje lá está. Fiquei sabendo que o seu nome atual veio de um secretário de Estado norte-americano, durante o governo de Theodore Roosevelt, na primeira década deste século. Em meados de 1906, ele veio presidir a Conferência Pan-Americana no Rio de Janeiro, e, ao fim desta, foi-lhe oferecida uma visita a uma fazenda de café, e a escolhida foi a Fazenda Santa Cruz. Ele, então, embarcou para Santos num navio, e ali tomou um trem que seguiu diretamente a Guabiroba, onde desceu e tomou um cabriolet até a fazenda. Na sua volta, Elihu Root ainda parou na estação de Americana, então ainda um lugarejo sem energia elétrica, e na estação foi recebido por centenas de americanos que para lá haviam emigrado quarenta anos antes, fugindo do Sul destruído pela Guerra da Secessão. Eles o receberam com tochas, que, na noite escura, davam uma visão realmente impressionante. Mister Root se emocionou até as lágrimas com tal recepção. Com todas essas aventuras vividas por ele, numa época em que americanos ilustres eram uma raridade em nosso país, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, que havia patrocinado a viagem à fazenda, houve por bem homenagear tão ilustre visitante, trocando imediatamente o nome de Guabiroba para o dele. Mister Root lembrou-se dessa visita até sua morte, em 1937. A pequena e bela estação sobreviveu até 16 de fevereiro de 1977, quando o último trem, já da Fepasa, deixou e recolheu os últimos passageiros. Nesse dia, a estação de Elihu Root morreu. Hoje, vinte e três anos depois, somente seu esqueleto ainda está em pé. Eu quis saber mais sobre a estaçãozinha. Escrevi para a Prefeitura da cidadezinha de Clinton, no estado de New York, terra natal de Elihu Root, perguntando se haveria algum seu descendente vivo ainda morando lá, contando sobre a existência da estação. Dias depois, recebi um telefonema emocionado do mister Elihu Root... neto. Alguns dias depois, conforme sua promessa, recebi uma carta, seguida por troca de emails (Ah, a Internet...). Por eles, ele ficou sabendo do que aconteceu com a estaçãozinha, inclusive por fotografias que eu tirei e lhe enviei. Pedi desculpas por todos os brasileiros, pelo abandono em que ela se apresentava, vítima dos desmandos de nossa política ferroviária. Eu soube, também, que sua neta havia passado uns tempos em Ilha Solteira, aprendendo algum português, e que tinha muitas saudades daqui. Ele me enviou, também, cópias de algumas páginas de um livro, raro, segundo ele, que contava trechos da vida de seu ilustre antepassado, citando o episódio de Americana. Um pouco depois, ele me mandou uma fotografia de seu avô, de uma nitidez espantosa, datada de 1902. Três meses depois, recebi uma carta da misses Molly Root, sua esposa. Nela, ela me contou que, um pouco mais de um mês antes, seu marido infelizmente havia falecido, mas que ela teria uma grande satisfação em receber a mim e minha família em sua casa quando eu fosse visitar seu país. Essa foi a terceira vez que Elihu Root morreu (Ralph Mennucci Giesbrecht, janeiro de 2000).

ACIMA: Parte do que foi o antigo pátio de Elihu Root em foto de satélite, mostrando o armazem (centro abaixo), a estação (canto esquerdo superior), a casa da esquina da estrada Araras-rio Mogi (cando direito inferior) e a outra casa (centro acima). Os trilhos passavam pela esquerda do armazém e da estação (Google Maps, entrada em 31/10/2009).

A terceira morte de Elihu Root

Carta de Mrs. Molly Root em 1 de Agosto de 1997 notificando o falecimento de seu marido, Elihu Root III, neto do primeiro E. Root


Tradução: "Caro Mr. Giesbrecht, tenho tristes notícias. Meu marido faleceu em 19 de junho*, e eu imaginei que v. gostaria de saber. Espero que eu tenha uma chance de ver seu livro** quando for publicado. Se v. um dia vier a este País, eu deveria encontrá-lo. Talvez v. possa ficar aqui por uns dias, visitar o Hamilton College para ver os fantasmas de Elihu Root. Sinceramente, Molly Root".
* 1997 **Ela se refere ao livro publicado por mim em 2003, seis anos depois, "Caminho para Santa Veridiana".

Túmulo de Elihu Root


Casas junto à estação

ACIMA: Casa à esquerda da estrada Araras-rio Mogi; a estação está à esquerda. ABAIXO: Casa em frente à estação (Fotos Ralph M. Giesbrecht, 30 de junho de 2004)