Histórias de Miguel Burnier

Transcrito do site: www.projetoestacao.blogspot.com - Projeto Estação Cultura

Em épocas que qualquer transporte no Brasil era feito por tropas de burros, por volta de 1880, o engenheiro chefe da primeira Estrada de Ferro do Brasil, Miguel Noel Nascentes Burnier, chegou em São Julião (Miguel Burnier) no propósito de construir um dos mais importantes pontos de entroncamento da estrada de ferro no Brasil, o conjunto ferroviário da estação de Miguel Burnier. A Estação Ferroviária de Miguel Burnier, que herdou o nome do engenheiro chefe da ferrovia, foi inaugurada em 1887, tendo completado 123 anos em 2010. Em 1889 a ferrovia chegou até Ouro Preto, e a nova capital mineira, Belo Horizonte, começava a ser construída. A transferência da capital mineira, de Ouro Preto para Belo Horizonte, teve toda que desembarcar e embarcar em Miguel Burnier, além de toda a mão de obra e materiais necessários para a construção de Belo Horizonte, vindos de diversas partes do Brasil e do mundo. Miguel Burnier era o ponto de entroncamento que ligava a nova Belo Horizonte à Ouro Preto e ao Rio de Janeiro, resto do mundo. Em 1893, quando se tinha grande dificuldade em conseguir ferro, seja para as atividades rurais ou para a manutenção da ferrovia, Carlos Wigg, grande empreendedor, junto com os engenheiros J. Gerspacher e Amaro da Silveira, colocaram o alto-forno da Usina Wigg em operação, localizado a quinhentos metros da Estação Ferroviária de Miguel Burnier. Siderurgia e Ferrovia nascendo juntas no Brasil, em Miguel Burnier. O alto-forno completará 107 anos em 2010. Com todo este desenvolvimento pioneiro em terras brasileiras, Alice Wigg, esposa do Comendador Carlos Wigg, exaltava a fé e o controle espiritual entre os trabalhadores e habitantes das terras de Miguel Burnier. O padroeiro era São Julião, sendo a sua capela demolida, para a construção do grande templo do Sagrado Coração de Jesus, inaugurado em 1934, tendo completado 76 anos em 2010. A construção do Templo e a condução dos trabalhos religiosos em Miguel Burnier, ficou sob responsabilidade de Padre Marcelino Braglia, desde 1918. Grande personalidade de Miguel Burnier. O potencial cultural foi se desenvolvendo ao longo dos anos, e Miguel Burnier se tornou referência de culturas populares brasileiras, como o Congado e a Corporação Musical, além do Coral, da riqueza do artesanato e das manifestações religiosas e culturais existentes no distrito. O futebol era a razão de ser de muitos em Miguel Burnier. O caminho velho da Estrada Real passa por Miguel Burnier, que já serviu de ponto de fuga para alguns inconfidentes. Potencial turístico do Brasil. Quanta história!


No início do séc. XX chegara em Miguel Burnier um certo rapaz, de Cachoeira do Campo, para trabalhar como muleiro na Usina do Comendador Carlos Wigg, voltada para a extração e beneficiamento de manganês. A Estação Ferroviária de Miguel Burnier era dividida entre comerciantes e gente "do lugar", de um lado, e os operários e trabalhadores da Usina Wigg, de outro. Este rapaz cuidava das mulas que carregavam o minério extraído das lavras para os depósitos próximo à Estação Ferroviária. Quem ali desembarcava, se encantava com a produção e a distribuição de cargas e passageiros, algo até então desconhecido para muitos, em um Brasil que se conhecia pouco. O trem uniu localidades na certeza do desenvolvimento do país. O trabalho como muleiro não foi por muito tempo. Voltou para Cachoeira do Campo e trabalhou com o pai em uma oficina. Após alguns anos retornou para Miguel Burnier e trabalhou com o filho mais velho em lavras empobrecidas e já abandonadas da Usina Wigg, até que um acidente de trabalho, na perna, o tirou diretamente da exploração de minério. O Filho mais velho assumiu o sustento da família enchendo as mãos de sangue e calos recolhendo minério que caía dos vagões de trem. O filho de doze anos era "prudente" e "esforçado", era "humilde", mas também "esperto" e "inteligente" e conseguiu emprego no escritório da Usina Wigg, onde domou a mão e a caligrafia, os livros de conta e de correspondência, as novas máquinas de escrever e a letra ilegível e em inglês do Comendador Wigg. Em um período de plena industrialização do Brasil, onde este jovem, que começou com doze anos, se destacou em um mercado que demandava operários especializados e profissionais da escrita comercial, para atender os curtumes, as fábricas de tecido e, especialmente, a siderurgia, onde a Usina Wigg, em Miguel Burnier, era o grande destaque no cenário brasileiro. Este jovem, Antônio Gomes Batista, que os primos julgavam ser filho do Comendador Wigg, em suas reminiscências faz referências de uma forte presença de profissionais da escrita comercial na Usina Wigg, vindos do Rio de Janeiro pela ferrovia.

"A mais antiga das minerações de manganez é a Usina Wigg, Esta mina possue um mineral inigualavel - o manganez puro - em veios praticamente inesgotaveis; entretanto é necessário ir procura-lo nas entranhas do monte penetrando-se até lá por meio de diversas galerias, uma das quais, que percorremos até ao fundo onde mineiros vagonetes por meio de alavancas e picaretas, - tinha mais de um quilometro horizontal (1250m), sendo arejadas por profundas respiradouros que, de trecho em trecho, levaram um consolo delicioso aquela especie de vestibulo do inferno. A propriedade mineira em questão é um verdadeiro condado, onde a vida dos trabalhadores e empregados é regulada em suas exigências elementares de conforto, bom trato, instrução e cultura pelo proprietário - Sr. Carlos Wigg - brasileiro, apezar de ter um nome estrangeiro, - cujas maneiras bondosas para com todo aquele povo que dêle depende grangearam-lhe uma reputação e um carinho invejaveis. Presentemente, viaja pela Europa com sua família; porém, o seu gerente o dr. Domingos Rocha mantem o seu excelente sistema e maneja o vasto trabalho mineiro e administrativo como um relógio. Boas casas com seu pequeno jardim, seu galinheiro, escola de música, a tudo atende a emprêsa, e até uma capela cheia de encanto tradicional que se impõe com o suave prestigio de uma velhice de dois séculos erguendo-se sôbre um morro próximo, semelhando uma ermida de vinheta para legendas de cavalaria, - foi restaurada pela Senhora D. Alice da Silveira Wigg - e destinada à missão, com sermão dominical, em tôda aquela população de almas simples, como na maioria da população brasileira, o sentimento religiosos te raizes profundas" (texto escrito em 1907).