Curva do Cachorro Magro - próxima à estação ferroviária de Caetano Furquim, em BH

Por: Zebitela (29/11/2009)

"Conheço bem a "Curva do Cachorro Magro". Boa parte de meu tempo de serviço foi na estação de Caetano Furquim, que fica na saída da curva. Ainda hoje tenho pesadelos com trens patinando na curva; com vagões em fuga saltando os calços postos para detê-los; os dolorosos "dividendos" do famoso trem Carranca. Cruzamentos de composições, cada uma delas com maior número de vagões que a capacidade da maior linha do pátio, eram comuns. O pior de tudo, precisava também ter a coragem de um xerife para sobreviver ao convívio inevitável com os mais celerados do Morro do Minério que tinham o pátio da estação como rota de fuga. Juca, Homem Aranha, Tira Couro, Zé Francisco, eram personagens integrantes do cenário.

"Dividendo" na Central ("Reganga" na RMV/VFCO) era a operação entre duas estações com acentuada quebra de perfil de uma para outra. No caso, os trens que chegavam a General Carneiro, viam a capacidade da respectiva locomotiva reduzida a menos da metade de sua força de tração. Para vencer a subida, e especialmente transpor "o Cachorro Magro" (já bem no topo da rampa em Caetano Furquim), o trem precisava ser fracionado, e subir somente com a carga inserida no limite da capacidade reajustada . Ao chegar ao topo, deixava a composição desviada na estação, e a locomotiva voltava escoteira para buscar o restante da composição que havia sido deixado atrás. Isso parece fácil de falar e descrever, mas dependendo da densidade de tráfego; das condições atmosféricas; e o que é mais sensível, do design, quantidade e extensão dos desvios disponíveis, podia parecer uma conflituosa operação de guerra.

"CARRANCA" era o trem coringa da interessante logística da Central aplicada área metropolitana de Belo Horizonte. Caiu em desuso na administração do Cabeção quando criaram a SR.2. Penso que 80% dos "causos" ferroviários que se contavam nessa área operacional eram histórias envolvendo o glorioso e pitoresco Carranca. Esse trem era tracionado pela MK "Reserva"(1) da estação de Parque Industrial. Sua missão principal: dar acabamento e arremate ao tráfego metropolitano interno, o que não era permitido aos trens de carreira. A regra geral era que todo trem deveria partir de Horto Florestal e para ali deveriam convergir todos os trens de carga.

No Horto havia estrutura e mão de obra ultra qualificada para enfrentar o rebote, fosse ele qual fosse. Para que o tráfego de passageiros fluísse com segurança e regularidade, trens de carga em hipótese alguma poderiam ter parada em qualquer das demais estações situadas nesse trecho, a não ser em Horto.

Vêm agora as exceções: trens que vinham do leste com vagões para além do Horto, deixavam esses vagões em Caetano Furquim; trens que vinham do oeste ou do sul, deixavam os vagões para além do Horto em Ferrugem ou Gameleira. Ao "Carranca" cabia costurar essas exceções da maneira mais conveniente e sem prejuízo para a fluidez do tráfego. Sua faixa de cobertura ia de Parque Industrial a Carreira Comprida, e não raro se estendia até Sabará para oferecer reforço de tração a trens mais pesados, com produtos siderúrgicos.

O Carranca era totalmente imprevisível, não tinha horário nem direção, mas deixar-se surpreender por ele podia ser muito prejudicial à operação. Daí a excessiva atenção que lhe davam os plantonistas, ao ponto de gerar um "síndrome do Carranca" que levava muitos à licença médica".