Linha Cruzeiro-Juréia
(Minas Gerais)

 

E. F. Minas-Rio (1884-
1910)
Rede Sul-Mineira (1910-1931)
RMV (1931-1965)
VFCO (1965-1975)
RFFSA (1975-1996)

Bitola: métrica.



ACIMA: a estação de Cruzeiro, nos anos 1920, inicial do ramal, no Ramal de São Paulo da Central do Brasil (Acervo C. Campanhã).

ACIMA: a estação de Tuiuti (depois Jureia), em 1940, entroncamento com o ramal de Tuiuti, da Mogiana (www.jureiaonline.hpg.ig.com.br).


ACIMA: Horários do trem Cruzeiro-
Juréia, em 1932 (Guia Levi, 02/1957). ABAIXO: horários do trem Cruzeiro-
Juréia, em 1957 (Guia Levi, 12/1957).
ABAIXO: horários do trem Cruzeiro-
Varginha, em 1966 (Guia Levi, 07/1966).

ABAIXO:trecho da maior reta da linha, próxima à estação de Harmonia, entre Varginha e Juréia, em 1934 (Acervo Marco Giffoni).

Veja também:

Trem Passa Quatro-Cel Fulgêncio
Trem das Águas

Contato com o autor

Índice

Nota: As informações contidas nesta página foram coletadas em fontes diversas, mas principalmente por entrevistas e relatórios de pessoas que viveram a época. Portanto é possível que existam informações contraditórias e mesmo errôneas, porém muitas vezes a verdade depende da época em que foi relatada. A ferrovia em seus 150 anos de existência no Brasil se alterava constantemente, o mesmo acontecendo com horários, composições e trajetos (o autor).

Trem de passageiros operado inicialmente pela E. F. Minas-Rio e depois sucessivamente por outras (Rede Sul Mineira, Rede Mineira de Viação e Viação Férrea Centro-Oeste), até ser extinto, em 1991, nas mãos da Rede Ferroviária Federal. Ligava originalmente as estações de Cruzeiro, no ramal de São Paulo, da Central do Brasil, a Três Corações. A linha foi prolongada em 1914 até a estação de Tuiuti (depois Juréia), onde se encontrava com o ramal de Tuiuti, da Mogiana. A partir de 1964, passou a operar somente até Varginha, com a supressão do trecho final. Na desativação, em 1982, estava operando somente até Três Corações. O trecho entre Varginha e Três Corações, desativado nos anos 1970, ainda foi usado por algum tempo para cargueiros (até cerca de 2007-8, depois foi abandonado), e está abandonado o trecho daí a Soledade. De Soledade a Cruzeiro, parte da linha é utilizada pelos trens turísticos a vapor da ABPF. Na verdade, até o final da RFFSA, em 1996, havia alguns trens de passageiros desta empresa entre Cruzeiro e Três Corações, esporádicos, com finalidade turística, que foram desativados nessa época. Quando foram retomados pela ABPF, foram-no somente em três pequenos trechos (Cruzeiro, Passa-Quatro e São Lourenço).

Percurso: Cruzeiro, EFCB, SP, até Juréia, RMV/CM, MG

Origem da linha:
A linha Cruzeiro-Tuiuti (depois Juréia) era originalmente parte da E.F. Muzambinho, que iniciou as atividades em 1887, entre Três Corações e Muzambinho, e parte da E. F. Minas e Rio, que operava o trecho Cruzeiro-Três Corações desde 1884, e que em 1908 incorporou a Muzambinho. Em 1910, esta foi uma das formadoras da Rede Sul-Mineira, que por sua vez formou a Rede Mineira de Viação, em 1931. Em 1965 esta formou a Viação Férrea Centro Oeste e foi finalmente transformada em divisão da Refesa em 1971. Na linha que unia a estação de Cruzeiro, no ramal de São Paulo da EFCB, a Juréia, terminal do ramal de Juréia, da Mogiana, o trecho final entre esta estação e Varginha já não tem mais seus trilhos. E o resto, com exceção de pequenos trechos operados pela ABPF, está tudo abandonado (2002). Os trens de passageiros foram suprimidos em 1966 entre Varginha e Juréia, em 1978 entre Varginha e Três Corações e em 1983 - já apenas como trens mistos - de Cruzeiro a Três Corações. De 1997 ao fim de 2001, operaram trens turísticos da ABPF a vapor entre Cruzeiro e Passa-Quatro. Também há tráfego operado pela ABPF entre Soledade de Minas e São Lourenço (2015) e entre a estação de Coronel Fulgêncio e a de Passa-Quatro (2015).




ACIMA: Trem de passageiros da RFFSA passa pelo vale do rio Passa-Quatro, próximo à estação de Manacá, em 1981 (Foto José Agenor). MAPA do trecho, Cruzeiro-Três Corações (Guia Levi, anos 1940). Horários de folheto da RFFSA em 1982 mostram ainda três trens no trajeto entre Três Corações e Cruzeiro, já sem restaurante (Acervo José Agenor). Túnel que liga São Paulo e Minas Gerais. Este túnel foi aberto em 1884 e em 1932 serviu de palco de batalha entre tropas paulistas e federais. A fotografia mostra o túnel visto no sentido São Paulo, fotografado com infra-vermelho (Foto Antonio Gorni, outubro de 2007). MAPA do trecho, Três Corações-Tuiuti (Guia Levi, anos 1940). Trem de passageiros no final dos anos 1970 em São Lourenço, foto Hugo Caramuru.

Os trens faziam o percurso Cruzeiro a Tuiuti (Juréia) em pouco mais de 13 horas. Havia paradas mais longas nas cidades onde havia entroncamento de ramais: Soledade, Freitas, Três Corações, Espera e Gaspar Lopes, além de Varginha, onde havia tempo para refeições. A verdade é que as regiões eram muito diferentes, dificilmente um passageiros fazia o percurso inteiro. Em 1932, havia 2 trens com carro-restaurante; um deles, no entanto, somente seguia até Varginha, e nesta estação o carro era destacado, seguindo a composição para Tuiuti (veja horário à esquerda). Havia também um trem misto. Em Juréia, havia obrigatoriamente pernoite e baldeação: um trem chegava de noite, o outro saía de dia.

Em 1957, a viagem já demorava mais tempo:15 horas. Havia apenas dois trens diários, mas um deles somente seguia de Cruzeiro a Varginha
(veja horário à esquerda). Um taxista de Areado conta (outubro de 2007) que foi duas vezes a Aparecida pelo Cruzeiro-Jureia. Eram 3 dias de viagem de ida, e mais 3 de volta. Ele morava longe da linha: o primeiro dia ele ia de cavalo a Jureia. Ali pernoitava e tomava o trem para Cruzeiro - mais um dia. No terceiro, dia, seguia de trem para Aparecida. Hoje são apenas 5 horas de viagem, de carro.

Em 1966, somente havia trens entre Cruzeiro e Varginha
(veja horário à esquerda). A linha a partir daí já havia sido suprimida; em 1976, já não havia mais intersecção de ramais, com exceção do ramal de Sapucaí em Soledade. Pouco tempo depois, já havia somente trens de passageiros entre Cruzeiro e Três Corações.

"Sou de São Lourenço-MG e passei minha infância viajando de trem e foram muitas, conheço de Cruzeiro a Alfenas e quantas saudades ficaram daquelas estações, do povo esperando o trem chegar como se fosse o terminal Tietê de hoje. Na estação de São Lourenço, já na minha adolescência (11 aos 13 anos) vendi muito picolé para os passageiros que ali paravam alguns minutos, isso por volta de 1973 a 1975 e minha última viagem foi para Cruzeiro já em 1981 quando estava no exército em Resende-RJ na AMAN. Lembro-me do enorme túnel na divisa de Minas com São Paulo, da subida da serra com duas máquinas, da estação de Passa Quatro, Itanhandu e muitas outras. Das manobras na grande estação de Cruzeiro. Tudo ficou lá trás" (Raphael Marques, 07/2006).



ACIMA: o trem de passageiros parado em Passa-Quatro, nos anos 1930. Na mesma época, o trem de passageiros sai de Cruzeiro (Acervo Marco Giffoni). ABAIXO: trem de passageiros parado em Passa-Quatro, anos 1930 (Acervo Marco Giffoni). ABAIXO: O trem de passageiros parado em Três Corações, já nos anos 1980 (Foto José Agenor de Siqueira). E, na notícia publicada em 4/11/1962, na Folha de S. Paulo, a manchete diz tudo. O trecho parou em 1964, dois anos depois.


"Veja que, no quadro da linha Cruzeiro/Três Corações (mais acima, no final dos anos 1980), o trem já não possuía o carro restaurante. Eu viajei algumas vezes nesse trem nos anos 1970 - era longo, pois vinha de Belo Horizonte, passava por Três Corações e ia até Cruzeiro. Tinha restaurante, dormitório. No final dos anos 1980, restava só esse, de Três Corações a Cruzeiro, dia sim dia não. Na verdade, o trem "expresso" ou 'trem dos veranistas" ia só de Varginha a Cruzeiro, depois que Furnas inundou a linha de Juréia. No início dos anos 1970, criaram esse de BH a Cruzeiro, e a gente passou a sair de Varginha num outro trem que fazia correspondência com esse de BH em Três Corações. Pouco tempo depois, o de Varginha a Três Corações acabou" (José Agenor, 05/2005). "O transporte de cargas no trecho acabou em 1991. Segundo um antigo maquinista do trecho, nos últimos tempos só descia para Cruzeiro um trem por dia com alguns vagões de cimento, às vezes passavam-se dois ou três dias sem passar nada. Em 1989 passei uma semana naquele hotel-fazenda que fica em frente à Parada Ramon em São Lourenço e lembro que neste período todo só passaram três trens" (Marco Giffoni, 2007).


A linha do lado de São Paulo: para "cima", na foto, vai para Cruzeiro; para "baixo", para o Tunel da Mantiqueira. Atualmente (2007), esse trecho da linha está sem uso desde 2001 (Foto Antonio Gorni, setembro de 2007).

"Passa Quatro era sede de locomotivas "helpers", daí o tamanho do pátio. Essas "helpers" eram locomotivas auxiliares que só são usadas em trechos da linha - neste caso, na subida entre Passa Quatro e Coronel Fulgêncio. Depois elas retornavam escoteiras (sozinhas) até Passa Quatro. O pátio era grande por que muito havia a necessidade de se fracionar as composições, não só na subida mas também na descida, lembrando que era o tempo do freio a vácuo, considerado muito mais fraco do que o freio a ar, e que loco a vapor não tem freio dinâmico. Para se ter uma idéia, o freio a vácuo perde muita eficiência quando a composição passa dos 10-15 vagões, portanto, se as composições eram um pouco maiores, havia a necessidade de fracioná-las e de um espaço para guardar os vagões em excesso enquanto esperavam sua vez de descer. Provavelmente haveria também a formação de composições extras para limpar o pátio desse excesso. Além do mais, poderia ocorrer que um "helper" vindo de Cruzeiro resolvesse vir até Passa Quatro ao invés de se soltar em Coronel Fulgêncio por vários motivos: a tripulação poderia estar no limite das horas trabalhadas, e no caso, faria pouso em Passa Quatro até o dia seguinte; no caso de a tripulação ser de Passa Quatro; se o diagrama de circulação de uma determinada loco exigisse que a revisão dela fosse feita no depósito em Passa Quatro; ou, ainda, se fosse mais conveniente destacar a máquina em Passa Quatro em casos de parada mais prolongada ou de falta de helpers para o trajeto no sentido contrário. O depósito até que era de dimensões modestas, porém há de se lembrar que uma loco só entrava no coberto para revisões rotineiras. Quando em tráfego, ficavam no céu aberto, aguardando a próxima chamada. E mais: as locos a vapor da época eram de proporções bem reduzidas (Pacifics, Mikados e Ten-Wheelers) e que se precisaria de uma "horda" de máquinas para movimentar mesmo um tráfego modesto em um traçado maluco (cheio de curvas) como aquele. Eu estimaria a alocação em umas 10 a 12 locos. Além disso, a RMV teria a intenção de realocar seus escritórios e oficinas situados em Cruzeiro para Passa Quatro, daí a aquisição do grande terreno nesta cidade. A justificativa era que esses recursos deveriam estar baseados em Minas, onde estava a esmagadora maioria de linhas na RMV. No entanto, isso não foi executado. Essa mudança de pátio acabou por ocorrer após a Revolução de 1932, quando toda a administração e as oficinas da então Rede Sul Mineira ficaram em poder dos paulistas, daí dá para imaginar o problema, uma ferrovia que só possuia 21 km no Estado de São Paulo ficar refém dos paulistas na época do conflito. Os prejuízos foram grandes e por volta de 1934 resolveram mudar realmente o pátio, mas para Divinópolis. Também haviam helpers na estação de Rufino de Almeida, no km 6. Finalmente, lembro-me que em 1988 e 1989 havia muitos vagões fechados no pátio de Passa-Quatro e nos últimos anos de atividade deste, comentava-se que os maquinistas da RFFSA, para evitarem enfrentar a serra até Cruzeiro, simulavam avarias no trem para receberem ordem para interromper a viagem em Passa-Quatro mesmo. Pelo que ferroviários que trabalhavam no trecho contam, uma dupla de G-12 não tracionava mais do que 6 vagões carregados entre Cruzeiro e Passa-Quatro. Se uma G-12 sofria tanto assim, imagine uma 2-8-0 ou 2-8-2... enfim, o trecho deveria ser bem movimentado no tempo do vapor" (Nicholas Burman, Marco Giffoni e Antonio Gorni, 05/10/2007).

O maior movimento da linha, nos áureos tempos, era mesmo entre Cruzeiro e Três Corações. Dali para Varginha e depois para o entroncamento com a linha da Mogiana em Tuiuti, depois Juréia, o movimento era menor. Havia trens de passageiros que faziam baldeação de passageiros, pelo que se sabe, na estação de Juréia. Em 1964, o trecho Varginha-Juréia acabou, e o trecho da Mogiana dali até Guaxupé foi fechado quatro anos depois. Sobour o trecho Varginha-Cruzeiro. Em termos de cargas, ainda hoje (2007), é usada linha entre Varginha e Três Corações, de onde os trens da atual concessionária (FCA), seguem para Lavras (pela linha Lavras-Três Corações, de 1926) e dali para o porto de Angra dos Reis. É pouco movimento. Entre Três Corações e Soledade a linha está ou coberta de mato ou sem trilhos por causa de roubos constantes. "Em julho de 1976 eu fui de Cruzeiro até Flora. Já havia restrições. O trem não era mais diário. De Cruzeiro para Varginha era só às 2ªs, 4ªs e 6ªs saindo de Cruzeiro às 12:40 hs. Em Três Corações ele demorava, esperando a chegada do trem que vinha de Lavras. Ainda havia carro restaurante" (Carlos Augusto Leite Pereira, 11/2007).


ACIMA E ABAIXO: Estações da linha: Fama (anos 1950, provavelmente - acervo Belo Horizonte), São Tomé, Cota (fotos Douglas Razaboni, 2005), Três Corações (foto Gutierrez L. Coelho, 2005).


ACIMA E ABAIXO: Estações da linha: Varginha (Foto Rodrigo Cabredo, 2006), Fama (anos 1950, provavelmente - acervo Isa Musa), São Tomé, Ponte da linha próxima a Fama - provavelmente hoje inundada (acervo Marco Giffoni, 1934) e Engenheiro Trompowski, 2001 (foto Rodrigo Cabredo).


Entre Varginha e Juréia, boa parte da linha foi inundada nos anos 1960 pela represa de Furnas. As lembranças são poucas e longínquas. Amauri da Silva Moreira, em maio de 2003, fala dos antigos trens nesse trecho da linha: "A estação de Movimento oferecia seis horários diários de trens de passageiros: três para Juréia e outros três para Três Corações, nos seguintes horários: às 06:00 hs descia o trem de passageiros para Três Corações; às 12:00 hs subia o misto, chamado de "almofadinha", para Juréia; às 15:00 hs retornava outro misto para Três Corações; às 19:30 hs subia o de passageiros para Juréia. Olavo Amadeu de Assis, em O ferroviário nos trilhos da saudade, de 1985, fala de Tuiuti - hoje Juréia: "Em Tuiuti, a composição de passageiros da Rede Mineira de Viação saía e chegava ao toque do sino, o que não acontecia com os trens da Mogiana". Isa Musa de Noronha, em Uma Vida na Linha, de 2005, é mais saudosa quando fala do final dos trens em Fama por causa das águas da represa: "Uma manhã cinzenta anunciou um dia a última viagem da maria-fumaça. Apitava o trem, uma, duas, três, dez vezes. Um apito doído de tristezas e saudade. Alguns ficaram até o último instante quando a água já beirava as suas portas. Muitos perderam tudo e todos perderam muito. A Fama de agora foi construída atrás da igreja e a água sem fim chegou mesmo quase até ela. O rio Sapucaí é hoje um lago quieto, soturno. Guardam aqueles dezessete metros de água só uma cidadezinha morta, sem passado, sem história, sem memória. Ah, represa de Furnas... Não foram por água abaixo apenas algumas cidades do sul de Minas. Afogaram com ela todas as tardes, todas as lembranças, nossas saudades, os risos, vozes queridas. Quem não conheceu a Fama antiga acha lindo este mundo de água. Nós não. Para nós este lago é só uma imensa lápide de uma cidade que amávamos. Lápide escura, sem nome, data, inscrição e flores". Afonso Henrique Paione de Carvalho, em novembro de 2002, conta sobre litorinas na linha em 1965: "Lembro-me de estar a bordo da litorina Budd num dia perdido em 1965, aos 8 anos de idade, com minha família, indo de Varginha a Cruzeiro para o casamento de um tio. Já viajei muito ao longo de minha vida, certamente esta foi a mais fascinante que está na minha memória. A composição, com dois vagões, um


ACIMA: Rara fotografia de carros de trens no trecho entre Três Corações e Varginha. Estes estavam passando a cerca de 1 km à frente da hoje demolida estação de Flora, a primeira após Três Corações, sentido Varginha, em 21 de abril de 1973 (Foto Carlos Augusto Leite Pereira).

restaurante e um pullman, estava estacionada em um desvio de Passa Quatro já havia mais de um hora. Em seguida, foi engatada e ajudou a empurrar um trem cargueiro morro acima até ultrapassar o túnel. Depois, voltou a Passa Quatro para buscar o outro vagão. Eu, maravilhado, e meu pai, irritado com a demora, dizendo: 'que vergonha, as cargas têm preferência sobre as pessoas'. É, muitas saudades mesmo
".