Trem de Mossoró a Souzas
(Rio Grande do Norte/Paraíba)

 

E. F. Mossoró-Souza (1915-50)
Rede Ferroviária do NE (1950-75)
RFFSA (1975-87)


Bitola: métrica



ACIMA: mapa da linha Mossoró-Souza no Estado do Rio Grande do Norte, onde tinha sua maior extensão - 225 km (Acervo Ralph M. Giesbrecht). ABAIXO: Horários de trens mistos e de passageiros (PN) em julho de 1960 no ramal de Mossoró a Souza (Guia Levi).

Veja também:

Estações da E. F. Mossoró-Souza

Índice

Contato com o autor

Nota: As informações contidas nesta página foram coletadas em fontes diversas,
mas principalmente por entrevistas e relatórios de pessoas que viveram a época.
Portanto é possível que existam informações contraditórias e mesmo errôneas,
porém muitas vezes a verdade depende da época em que foi relatada. A ferrovia
em seus 150 anos de existência no Brasil se alterava constantemente, o mesmo
acontecendo com horários, composições e trajetos (o autor).


ACIMA: O trem de passageiros (ou misto, não dá para se ver bem) na estação de Patu, no
quilômetro 158 da ferrovia, nos anos 1950 (IBGE: Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, 1960).


Como em outras ferrovias do nordeste brasileiro, são muito difíceis as referências ao trem de passageiros que fazia a linha entre as cidades de Mossoró e Souza, traçado todo ele no semi-árido nordestino. Começou a circular em 1915 e até 1953, quando ocorreu a última expansão das linhas, foi aumentando o percurso gradativamente. Segundo João Costa, de Mossoró, os trens de passageiros da linha circularam (como trens mistos sem horário definido) até 1987 - veja aqui reportagem sobre as últimas viagens desse trem, já em péssimas condições.
Cargueiros rodaram qté 1995, quando a última carga de sal foi despahada de Mossoró.

Hoje nada mais existe dessa linha a não ser trechos de trilhos
em pontos isolados ainda não retirados e algumas das antigas estações. O trem levava cerca de 8 horas e 45 minutos para fazer todo o percurso entre Mossoró e Souzas. A maioria desses trens era misto e não somente de passageiros.



Percurso: Mossoró, RN, a Souzas, PB, numa extensão de 280 km. De 1915 a 1952, o trem saía de Porto Franco e Mossoró era a segunda estação. Em 1953 esse pequeno trecho de 37 km já havia sido desativado.

O texto abaixo foi postado por João Costa no Blog do Ralph Giesbrecht em 30 de março de 2013.

Sou de Mossoró, onde ficavam os escritórios da RFFSA e todo o centro de adminstração do ramal Mossoró-Sousa. Bem, o que posso dizer é que as estações de passageiros do nosso ramal foram fechadas em 1991, por "misteriosa" determinação do Governo Federal. A partir daí apenas o trem de carga circulava levando sal, cimento e minérios em viagens que ficavam cada vez mais longas devido às péssimas condições de conservação do trecho e também das locomotivas e vagões que sofrivelmente se arrastavam por sobre os carris. Lá para 1995-1996 esse trem de carga parou de uma vez por todas, e as máquinas, vagões, guindastes, trollies, tanques, gôndolas e outros equipamentos da via ficaram encostados no pátio da estação sem nenhum uso.

Em 1997 a CFN - hoje Transnordestina - assumiu o controle da estrada de ferro, mas tachou o ramal como economicamente inviável, e simplesmente o abandonou (Inclusive, agiu da mesma forma em relação ao ramal Macau-Natal-Recife, que se encontra hoje apodrecendo à mercê das intempéries).

Em abril de 2001, um grupo de empresários da região retalhou a ferrovia em treze lotes e, em poucos minutos, cada um arrematou para si um deles e logo procederam com o arrancamento e venda dos trilhos e equipamentos. Sim, a nossa ferrovia foi vendida num leilão de sucata e ninguém fez absolutamente nada a respeito!!! O nosso ramal ferroviário foi vendido pela bagatela de 2,7 milhões de reais!!! A locomotiva que fez a viagem oficial de inauguração do trecho em 1915, por exemplo, foi vendida a um sucateiro e desmanchada a maçarico, assim como carros de passageiros que datavam de 1914 a 1916.

O resto do material rodante (que incluía locos Alco RSD-8, GE U5b, vagões tanque, gôndola, FHC, um guindaste Oton, carros de primeira e segunda classes, locos de manobra, trollies,etc) ou teve destino análogo, ou foi transferido para o ramal entre Fortaleza e Recife. Os trilhos foram arrancados em absolutamente todo o percurso da ferrovia, empilhados sobre caminhões, e depois disso, nunca mais foram vistos. Não sobrou um mísero dormente para contar história! até mesmo as placas de sinalização das passagens de nível e da indicação da quilometragem dos trechos foram vendidas. Máquinas de terraplanagem foram trazidas para nivelar os terrenos por onde a ferrovia passava e pontilhões e outras obras de arte foram removidos. As oficinas depósitos e escritório da RFFSA - ou as suas ruínas - foram demolidas há alguns anos... em 2004 se não me engano. Em seu lugar construíram uma avenida, praças, restaurantes e um memorial sobre a história da cidade com fotos históricas que, ironicamente, incluem algumas imagens da inauguração da ferrovia.

O que ainda hoje sobrevive da estrada de ferro é o prédio da estação ferroviária que, por ficar encravado no coração da cidade, foi restaurado e tem seu pátio utilizado como espaço de realização de eventos. A antiga ponte metálica de três vãos, trazida desmonatada da Inglaterra no início do século e montada por sobre nosso pobre rio Mossoró, está lá ao relento a ser carcomida pela ferrugem - não foi desmontada e vendida junto com todo resto do espólio por que ficou excluída do leilão, não se sabe por qual motivo. Resiste ainda de pé como que por um milagre! O imenso vazio que se formou no meio da cidade depois do arrancamento do trilhos e demolição dos galpões, escritórios e oficinas foi preenchido com praças, lanchonetes e alguma arborização. Nos demais municípios que eram cortados pelos trilhos, ou as estações estão abandonadas em ruínas ou foram tranformadas em casas de cultura ou espaços de realização de eventos. Mas nada que lembre que ali um dia passou um trem.

Quanto à nossa população... incrivelmente ninguém aqui em Mossoró sequer lembra que um dia um trem passava diariamente bem no meio da cidade. Nós temos memória curta, ea grande maioria nem sabe por que motivo a ferrovia, depois de 86 anos de atividades, foi completamente extinta da noite para o dia depois de um misterioso leilão que não durou meia hora. Isso tudo numa cidade que cresceu e se desenvolveu ao redor da ferrovia, idealizada no início do século XIX por um dos nossos mais ilustres habitantes, o comerciante João Ulrich Graff, o qual morreu sem ver seu sonho realizado devido à burocracia que tudo posterga.

Nossa ferrovia, cujo primeiro trecho foi, com sacrifício, inaugurado no longínguo ano de 1914, com a chegada do primeiro trem ligando o sertão ao mar, uma verdadeira façanha naqueles tempos em que se viajava no lombo de burros, sumiu sem deixar rastros ante à apatia das pessoas que por ela eram beneficiadas e do descaso dos políticos locais. Trens enormes que traziam gente, bichos, cargas, e até mesmo água nos períodos de seca,eram o único meio de transporte que tínhamos até algumas décadas atrás. Foi um sonho idealizado por nossos mais tenazes habitantes e que foi simplesmente arrancado pela raiz como se fosse algum tipo de tumor, câncer ou coisa que o valha.

É muito triste saber que uma das maiores conquistas do nosso município (e de todos os outros que ficavam no traçado da estrada de ferro) teve um fim tão trágico e silencioso. Nossa ferrovia foi vendida como ferro velho e ninguém, nem políticos nem população, fez nada para evitar isso. Trem por aqui é coisa do passado, "coisa de antigamente" um meio de transporte quase mitológico cujas lembranças ainda persistem na memória dos mais velhos ou dos nostálgicos ferroviários aposentados. Hoje, todo mundo pelas redondezas tem um automóvel ou uma perigosa motocicleta. O transporte de cargas é feito invariavelmente por caminhões sobrecarregados que desgastam e superlotam as rodovias que cortam a região. Quem viaja para municípios ou estados vizinhos para estudar ou trabalhar, ou vai no seu próprio carro, ou moto, quando os possui, ou tem que pagar ônibus ou um utilizar o perigoso transporte alternativo. O trem, barato e acessível, ficou completamente esquecido depois da inuaguração de algumas rodovias na região no final dos anos 1970.

A reativação do ramal é tida como inviável economicamente, ninguém tem interesse em uma ferrovia ligando Mossoró ao sertão da Paraíba. Transnordestina aqui, então, é pura utopia, já que pelo traçado está mais pra Transpernambucana. Então... nossas estradas estão cada vez mais esburacadas, perigosas, mal sinalizadas, não possuímos um sistema de transporte inter-municipal ou inter-estadual de valor acessível, e nossa história está morta e enterrada assim como o velho Graff que morreu sem ver o trilhos cortando a caatinga mossoroense em direção ao São Francisco...

E assim que a locomotiva do sonho graffiano sumiu nas nuvens do esquecimento. Eu cheguei, ainda criança nos anos 1990, a ver o trem passando comprido no final das tardes em direção à Paraíba, vagões azuis e brancos, a locomotiva vermelha com faixas amarelas... um trem lento, agonizante, resfolegando, sumindo vermelho e azul dentro do mato seco esbranquiçado, sumindo pra nunca mais voltar.



Nos anos 1970, segundo Eudes Fernandes (2013), o trem era composto de quatro carros de passageiros e um bagageiro, que ficava entre a locomotiva, já a diesel, e os carros de passageiros. Havia dois carros de primeira classe e duas de segunda. Não havia, pelo menos na composição de 1970 mostrada acima, carro-restaurante. Foram estes que circularam até o início de 1991, deixando apenas alguns cargueiros RFC cada vez mais raros até a privatização em 1996, segundo João Costa (2013). (Fonte: Facebook/Estradas de Ferro do Nordeste, junho 2013)