E. F. Rio-Clarense
(1884-1889)
Rio Claro Railway (1889-1892)
Cia. Paulista (1892-1966)
Bitola: métrica.
Acima, a estação de Rio Claro, ainda um prédio
novo, em 1918 (Foto Filemon Peres). Abaixo, estação
de São Carlos, ainda a da Rio-clarense, no início
do século XX (Acervo Maria Angela P. C. S. Bortolucci).
Abaixo, horários do trens do ramal de Anápolis, em
1940 (Guia Levi, julho de 1940)
Veja também:
Estação
de Rio Claro
Contato
com o autor
Índice
Nota: As informações contidas nesta
página foram coletadas em fontes diversas, mas principalmente
por entrevistas e relatórios de pessoas que viveram a época.
Portanto é possível que existam informações
contraditórias e mesmo errôneas, porém muitas
vezes a verdade depende da época em que foi relatada. A ferrovia
em seus 150 anos de existência no Brasil se alterava constantemente,
o mesmo acontecendo com horários, composições
e trajetos (o autor).
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Trem
de passageiros operado pela Rio-Clarense e pela sua sucessora Rio Claro
Railway, entre Rio Claro e Araraquara, até a compra da linha
pela Cia. Paulista em 1892. Até o ano de 1922, a linha estava
íntegra, correndo paralelamente à linha de bitola larga
que já era uma realidade até Rincão. É em
parte dessa linha que, em 1912, foi escrito o texto abaixo, uma das
mais belas e romanceadas descrições de uma viagem de trem,
no caso entre Rio Claro e São Carlos, de que tenho notícia.
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Origem da linha:
Rio Claro - São Carlos - 1884
S. Carlos - Araraquara - 1885
Araraquara - Rincão - 1892
Rincão - Jaboticabal - 1893
Jaboticabal-Bebedouro - 1902 Bebedouro - Barretos - 1909
Os dois primeiros trechos
foram abertos pela E. F. Rio-Clarense. Os outros, já pela Paulista,
que comprou a linha em 1892. Com expansões que alteraram radicalmente
tanto a linha original quanto suas bitolas, alguns trechos foram transformados
em ramais e outros incorporados à linha-tronco de bitola larga
a partir de 1916. Os últimos resquícios deste antigo
tronco de bitola métrica foram suprimidos em 1966 (Rio Claro-Analândia)
e em 1969 (Rincão-Jaboticabal).
Acima,
mapa das ferrovias nos anos 1930, vendo-se em vermelho, quase ao contro,
o ramal de Anápolis (depois de Analândia, um dos poucos
trechos restantes do tronco métrico da Paulista.
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Comentários: Até
onde se sabe, apenas locomotivas a vapor teriam trrafegado por essa
linha, até o seu final, em 1966. O texto a seguir descreve
uma viagem na linha, entre Rio Claro e Araraquara - o escritor foi
somente até São Carlos - no ano de 1912. "Rio Claro!"
gritou o ajudante do trem. Daí a pouco, a plataforma da estação regurgitava
de viajantes apressados, carregando malas, segurando crianças, ensurdecidos
pelos berros dos carregadores, do bufar insistente das caldeiras das
máquinas, apitos dos guarda-chaves e rolar de carros em manobras.
Um vai-vem, um vozerio sem fim. Partimos. No carro em que eu ia, cheio,
repleto, a prosa irrompeu, e um amigo comenta: "Oh! Por aqui? Então
de volta ao grupo?" - "Que fazer, meu caro! As férias acabaram-se,
toca ao trabalho". Olhei para as pessoas que viajavam
O
trem P1, do tronco Rio Claro-Barretos, em 1918 (Foto Filemon Peres)
conosco. "Professores e professoras", disse o amigo. Conhecia
alguns e algumas. "Olá, Paulo", exclamei, "como foi de férias?"- "Bem,
e você?"- "Assim..." Bem em frente a mim, diversas moças chalreavam,
numa expansão contente e alegre. Uma delas era magra, esguia, com
um grande chapéu com abas e flores vermelhas de ornamento. Era a mais
tagarela. A outra era gorda, bem feita, com umas formas delicadas
e esplêndidas, escutava, respondia à amiga quase sempre com um sorriso
amável e... olhava-me. Eu já a conhecia. Era de uma cidade vizinha
daquela para onde eu me dirigia. Olhei-a. Tornamos a nos olhar. Sorrimos,
num consentimento tácito de começo de flerte. Ela era bonita. Os cabelos
negros, de um negror profundo de ébano quase desaparecia debaixo do
chapéu grande e todo ornado com fitas largas. Tinha uns olhos grandes
e pretos, enormes de mistério e de encanto... Uns lábios fortes e
grossos que inspiravam a tentação diabólica de um beijo. Ria muito...
talvez soubesse que tinha lindos dentes. E o flerte pegou. Às vezes,
para que não desse muito na vista o nosso namoro, eu me punha a olhar
as paisagens que se sucediam rápidas, como nas fitas dos cinematógrafos,
ora no sublevamento das colinas, ponteadas de cafeeiros, ora nos abaixamento
dos vales, onde se alinhavam filas de bananeiras ou emergiam do fundo,
branquejando, casinhas miúdas pela distância. Chovia. Finas cordas
de água acompanhavam lenta e copiosamente os capões de mato que bordavam
a estrada, e lá, ao fundo, embrumados e indecisos, os morros apareciam
tristes e desconsolados. Estações passavam.
O trem a vapor em Anapolis, hoje Analândia,
em foto provavelmente dos anos 1930. Ali, até o fim, os trens
foram a vapor (Acervo Wilson de Santis).
"Visconde de Rio Claro!" anunciou outra vez o ajudante de trem.
Espera. Nós dois continuávamos a tarefa encetada de flertar. Como
ela sabia jogar com o nervo patético motor! Que abaixamento estonteante
e lindo das pálpebras de espessos cílios aveludados! E o trem recomeçava
a correr na sua monótona canção das rodas sobre os trilhos, batendo,
batendo sempre, batendo sem parar. Chegamos perto de São Carlos. A
prosa dos carros redobrou, ativa, avivada, na ânsia de chegar breve.
Poucos minutos depois, íamos de novo levados pelo comboio, correndo
à procura dos pontos de chegada. "Caiubi!" gritou de novo uma voz.
A melancolia apoderava-se lentamente de mim. Qualquer coisa de vago
e impressionante eu sentia brotar inconscientemente por dentro de
minha consciência. Ia-se acabar o flerte. Dali a pouco, entre o buliço
da estação e o barulho das manobras, eu ia perder o atrativo dessa
viagem que se tinha tornado tão agradável. Chegamos, enfim, à estação
onde ela devia parar. Vi-a sumir por entre a turba que enxameava pela
estação, com um andar altivo, direito, de garça real... Ainda tenho
nos lábios o sabor delicioso dos seus olhares" (Sud Mennucci,
1912 - do livro Um dia o trem passou por aqui - a história
e as estórias dos trens de passageiros do Estado de São
Paulo e as saudades que eles deixaram, Ralph M. Giesbrecht, RMG,
2001).
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