E. F. Noroeste do Brasil
(São Paulo)

 

E. F. Noroeste do Brasil (1906-1993)

Bitola: métrica

Acima, a estação de Bauru, no final dos anos 1930 e até 1939, quando o prédio atual ficou pronto, o ponto de partida dos trens da Noroeste (Acervo Ralph M. Giesbrecht)

Acima, a estação de Jupiá do lado do Mato Grosso, onde foi colocada a partir da conclusão da ponte sobre o Paraná, em 1926. Abaixo, estação de Porto Esperança, até o início de 1953, o final da linha da Noroeste. Dali, para se chegar a Corumbá, tinha de se tomar os vapores que subiam o rio Paraguai por mais 8 horas e 92 quilômetros. (Fotos José H. Bellorio)

Abaixo, horários dos trens da Noroeste em 1932. Notar que o único trem que corria "direto" - o noturno - levava quase dois dias de viagens. Seccionado, eram três dias, de Bauru a Porto Esperança (Guia Levi, fevereiro de 1932).

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Nota: As informações contidas nesta página foram coletadas em fontes diversas, mas principalmente por entrevistas e relatórios de pessoas que viveram a época. Portanto é possível que existam informações contraditórias e mesmo errôneas, porém muitas vezes a verdade depende da época em que foi relatada. A ferrovia em seus 150 anos de existência no Brasil se alterava constantemente, o mesmo acontecendo com horários, composições e trajetos (o autor).

Trem de passageiros operado pela E. F. Bauru-Itapura, do lado paulista e, do lado do Mato Grosso, pela E. F. Itapura-Corumbá, até a união destas sob o nome de E. F. Noroeste do Brasil, em 1918. A travessia do rio Paraná, até outubro de 1926, era feita por barco, para os passageiros: desembarcavam de um lado do rio e pegavam outro trem do outro. Apenas trens cargueiros seguiam por balsa. Com a ponte, construção de variantes em diversos trechos e empedramento da estrada, a linha torna-se bem melhor após os anos 1950 possibilitando o tráfego de locomotivas diesel-elétricas e mais conforto para os passageiros numa viagem bastante longa. Até os anos 1940, no entanto, as viagens estavam longe de ser um paraíso, com excesso de curvas e trilhos sem lastro de pedras, com muita poeira formada pelo movimento do trem, com trilhos em contato direto com a terra do solo.

Percurso: Bauru, SP - Porto Esperança, MS (em 1953 a linha chegou até Corumbá).
Origem da linha:
Bauru - Araçatuba - 1908
Araçatuba - Jupiá (via Lussanvira) - 1910
Três Lagoas - Campo Grande - Porto Esperança - 1914
Variante Araçatuba - Jupiá (via Valparaíso) - de 1932 a 1937
Prolongamento de Agente Inocêncio a Corumbá - 1953
A partir de 1937, o tronco passa a ser Bauru - Porto Esperança passando pela nova variante. A linha antiga passa a ser o ramal de Lussanvira (Araçatuba - Lussanvira).
Em 1940 parte do ramal (trecho Lussanvira - Jupiá) é erradicada.
Em 1953, a ferrovia chega a Corumbá deixando o trecho Agente Inocêncio - Porto Esperança como um ramal.
O tráfego de passageiros cessou em 1993 entre Bauru e Campo Grande.
Até 2017 a linha ainda está ativa, com exceção do ramal de Lussanvira, erradicado nos anos 1960. Desde 1996 apenas cargueiros trafegam pela linha, operada pela Novoeste, concessionária da antiga Noroeste.

Viajar de trem pela Noroeste nos seus primórdios, e mesmo até os anos 1940, não era fácil: era uma aventura. Os relatos a seguir, extraídos do livro "Uma ferrovia entre dois mundos", de Paulo Roberto Cimó Queiroz (EDUSC/UFMS, 2004), dão uma idéia do que era essa aventura. Em novembro de 1915, um viajante afirmava que o comboio em movimento "fazia levantar uma nuvem de poeira fina que invadia o vagão, sufocando os passageiros e tingindo as suas roupas de marrom. Um martírio". Outro lembra que "O comboio chacoalhava, havia poeira e o problema dos passageiros era proteger a pele e a roupa das fagulhas da Maria Fumaça". Em 1927, "torna-se intolerável a viagem (de Araçatuba para a frente - ainda pelo trecho velho, de Lussanvira). Carros fechados, por causa do pó. O ar não penetra e o calor mata. A poeira entra e enterra. É difícil respirar. De vez em quando é de mister desobstruir a fossas nasais. O que sai no lenço parece sangue. O mal-estar é desesperador. O ventre já não cabe mais refrigerantes, mas a garganta ressequida exige-os. Almoça-se e janta-se no próprio trem. Servido um prato, engula-se no menor número de vezes possível de garfadas, antes que o cubram camadas densas de pó, presume-se que se vareja o Saara". Os viajantes que se destinavam a Corumbá detinham-se um ou dois dias em Campo Grande, porque "não há vapor diário a partir de Porto Esperança, onde a espera (apesar do nome) seria insuportável". Na viagem ao Porto Esperança, mais tormentos: "se o trem para um bocado, invadem os carros nuvens de mosquitos esfaimados, que alvoroçam e irritam os passageiros. Bate-se com os pés, braceja-se, tudo inutilmente: quando o comboio de novo parte, todos os rostos vão pintalgados e raro é o cano de meia que não se haja dilacerado pelo coçar desesperador das pernas". Em 1935, Claude Levi-Strauss efetuava observações semelhantes sobre a "exaustiva viagem" de São Paulo a Porto Esperança, pelo "noturno" da Noroeste: "ao todo, três dias de viagem num trem movido a lenha, andando em marcha lenta. Os vagões também eram de madeira e relativamente mal-vedados; ao acordarmos, tínhamos o rosto coberto por uma película de barro endurecido, formada pela fina poeira vermelha de sertão que se insinuava em cada dobra e em cada poro".

ACIMA (esquerda): um dos antigos trens de passageiros da Noroeste, anos 1930 (Acervo J. H. Bellorio). (direita): as viagens em 1926, criticadas (O Estado de S. Paulo, 15/3/1926). ABAIXO: Aumento do número de passageiros entre Bauru e Porto Esperança entre 1906 e 1916.