Sorocaba-Apiaí
(Trem Bandeirantes Apiaí)
(São Paulo)

 

Fepasa (1997-1998)
Ferroban / ALL
(1999-2001)

Bitola: métrica


Acima, a estação de Sorocaba, em 1998, de onde o trem partia, geralmente às 18 horas diariamente. Abaixo, a estação de Iperó,em 1998, já fechada e largada, onde o trem deixava o tronco da antiga Sorocabana para entrar no ramal de Itararé (fotos Ralph M. Giesbrecht).


Acima, a estação de Itapeva, em 1998, ainda funcionando mas já em estado precário, última estação onde o trem parava antes de sair pelo ramal de Apiaí. Abaixo, estação de Apiaí, de madrugada, horário (2:30 da manhã) em que o trem chegava, partindo uma hora depois de volta a Sorocaba, onde chegava às 12 horas (Fotos Ralph M. Giesbrecht).

Veja também:

Contato com o autor

Indice

Nota: As informações contidas nesta página foram coletadas em fontes diversas, mas principalmente por entrevistas e relatórios de pessoas que viveram a época. Portanto é possível que existam informações contraditórias e mesmo errôneas, porém muitas vezes a verdade depende da época em que foi relatada. A ferrovia em seus 150 anos de existência no Brasil se alterava constantemente, o mesmo acontecendo com horários, composições e trajetos (o autor).

Trem de passageiros operado pela Fepasa a partir de dezembro de 1997, entre as cidades de Sorocaba e de Apiaí, passando pelo tronco da Sorocabana e entrando em Iperó pelo ramal de Itararé e, em Itapeva, entrando pelo ramal de Apiaí. Este ramal havia sido construído para atender ao transporte de cimento da fábrica em Apiaí em 1973 e nunca um trem de passageiros havia passado por ele. Com a intenção de carregar passageiros para visitar as cavernas da região dessa cidade, o trem, batizado de Bandeirante Apiaí, foi implantado já no final da vida da Fepasa. Sobreviveu, puxado por locomotivas da Ferroban e depois da ALL até 15 de março de 2001, quando foi suprimido de vez. Percurso: Sorocaba - Itapeva - Apiaí
Origem da linha:

Sorocaba - Iperó - 1883
Iperó - Itapetininga - 1895
Itapetininga - Itapeva - 1909
Itapeva - Apiaí - 1973
Horário: saía de Sorocaba às 18 horas, chegando a Apiaí às 2:30 da manhã. Partia o mesmo trem de volta às 3:30, para chegar de volta em Sorocaba ao meio-dia.
O Bandeirante Apiaí em Tatuí (Foto Stenio Gimenez)

A existência deste trem era um milagre: última linha a ser implantada pela Fepasa, já no seu final, em dezembro de 1997, sobreviveu por mais de três anos. Enquanto a eletrificação ainda estava ativa, ele seguia com locomotivas elétricas até Itapetininga, onde ela acabava. Dali para a frente eram as diesel. A partir de 1999, já passou a correr
Bilhete de ida Sorocaba a Apiaí (12/05/1988).
somente com as diesel por todo o percurso, e, depois que a ALL assumiu o trecho, passou a utilizar suas locmotivas, mas isso ocorreu por um tempo curto. Eu viajei nesse trem em maio de 1998: a composição tinha um carro-restaurante e dois carros de passageiros. "Embarcamos no trem em Sorocaba às 18 horas. Carros bem conservados, assentos novos, limpos. Nada de luxo. O bilheteiro lembra aqueles dos filmes: terno bege claro, gravata e boné, logo que o trem parte de cada estação ele vem conferir a sua passagem. Depois de atravessar a zona urbana de Sorocaba, o trem passa pelo que um dia foi a estação de Lopes de Oliveira, ainda em Sorocaba, demolida há anos: o que se consegue ver é a placa da estação sobre a plataforma, que fica entre as duas

O trem parado em Itapetininga, já sem a locomotiva elétrica e sem o restaurante (Foto André Luiz de Lima)
linhas. Passa a seguir por Varnhagen, estação recém-reformada, e George Oeterer, onde, mesmo com a estação fechada e depredada, sobem e descem passageiros que se dirigem para o bairro próximo. A essa altura, fui conhecer o restaurante. O responsável, um senhor de uns 60 anos, talvez, é muito simpático e explica que o vagão da viagem não é o usual, que está em manutenção. Por isso, não tinha geladeira, e a caixa de gelo é usada para as cervejas. Só há refrigerantes quentes. Sanduíches de queijo, presunto, café, leite, bolachas, salgadinhos, lingüiças fritas... dá para não passar fome. O trem segue, passando por Bacaetava, da qual somente sobrou a plataforma, e aí a Iperó. Estação grande, fechada, largada, mas passageiros sobem e descem. À nossa frente, a bifurcação: a dupla segue para a direita, para Botucatu; e para a esquerda, a linha simples, ainda eletrificada, onde começa o antigo ramal de Itararé da Sorocabana. A terceira parada é Tatuí. Muita gente sobe e desce. O trem segue e pára em Morro do Alto, estação pequena, algumas favelas em volta, o trem volta e continua em frente, até Itapetininga. São oito da noite. Aqui ele deve ficar um pouco mais, pois há troca da locomotiva elétrica para diesel. Mas vem o primeiro atraso: a diesel ainda não estava no lugar para a troca, e acabamos por ficar 40 minutos na estação. Finalmente, tudo pronto, partimos. Agora, devemos andar por mais de uma hora até a próxima parada. Daí para a frente a viagem segue normalmente, até que, de repente, o trem começa a andar muito devagar, a uns 20 km/hora: logo descobrimos o que é. Há um vagão descarrilado e tombado, junto à linha, a uns 4 km da estação seguinte. A explicação do bilheteiro: ele começou a

O trem parado na estação de Itapeva (Foto André Luiz de Lima).
descarrilar, não parou e acabou por sair dos trilhos 4 km depois, danificando-os e aos dormentes. Finalmente, chegamos a Rechan, e a surpresa: a estação repleta de gente. Não com pessoas que vão embarcar ou esperar passageiros: na maioria é gente que quer ver o trem chegar. Realmente, o mundo mudou pouco nessa área: há cem anos atrás, esse era o programa. Hoje, continua sendo. E é emocionante. Quase dez da noite, e a estação iluminada, com um monte de gente se encontrando. O trem parte de novo e em quinze minutos chega a Angatuba, onde mais uma vez, apesar do horário, encontramos a estação cheia de gente. Aí começa um longo trecho até Buri. No trecho existem duas outras estações, em que o trem só pára se há passageiros para descer ou subir. Uma é Engenheiro Hermilo, pequena, bonita e isolada, à esquerda da linha. A cidade, Campina de Monte Alegre, fica distante, à direita, e mal se pode ver suas luzes. O trem não pára. Na segunda, Aracaçu, também não, e a estação mal dava para ser vista, abandonada e sem qualquer iluminação. E finalmente chegamos a Buri. Já eram onze e meia, e ainda assim havia gente na estação, conversando e esperando passageiros. Pouca gente embarcou. O trem segue em frente e, mais outra hora e meia e atinge Itapeva. Quase uma hora da manhã, e agora a quantidade de

O trem passa por Itapeva, já com apenas dois carros - sem o restaurante (Foto André Luiz de Lima).
pessoas era pequena. Alguns desembarcam, e o trem segue viagem. Mais quinze minutos e atingimos Nova Itapeva, estação recente, construída há uns vinte anos. Já estamos no ramal de Pinhalzinho. O trem continua, até atingir Entroncamento, um pequeno posto, também chamado de Itaboa, onde troca o "staff". Mais um pouco e o trem pára em Campina de Fora, um vilarejo, já às duas e meia da manhã, para desembarque de passageiros; a "estação" é apenas uma plataforma de cimento, sem cobertura, sem nada. Havia um carro com pessoas esperando, numa escuridão total, quem desceu entrou nele e foram embora. E o trem segue e finalmente chega a Apiaí, com meia hora de atraso. São quase três da manhã. Os poucos passageiros que restaram desceram e seguiram a pé para a cidade, cujas luzes se vêem ao longe. Táxis, a esta hora, nem pensar. Havia algumas pessoas já sentadas na estação esperando a hora de saída para embarcar. Somente eu que fico esperando na estação, um prédio novo e simples. Às três e quarenta da manhã, o trem parte, no horário. Segue sem parar até Entroncamento, e de lá até Nova Itapeva, onde passageiros embarcam. Às seis horas chegamos a Itapeva,

O trem passa por Itapeva, já com apenas dois carros - sem o restaurante (Foto André Luiz de Lima).
ainda de noite, onde o trem fica parado por mais tempo que o esperado, pois, segundo o chefe da estação, em Buri há um trem de carga estacionado e somente quando ele sair da linha será dada a autorização para prosseguirmos. Passam-se quinze minutos, e o trem parte, com a condição de que, em Buri, estacione na linha três, até o trem de carga se deslocar. No caminho, em quinze minutos o sol nasce. O trem passa então por uma estação que não vimos durante a noite Engenheiro Bacelar, totalmente abandonada e cercada pelo mato alto. O pessoal do trem comenta que é a única estação da viagem na qual o trem nunca pára, dado ao seu isolamento e ao seu estado. Chegamos a Buri, e esperamos um pouco antes da estação. Quando finalmente ele manobra, depois que o trem cargueiro sai, volta para a linha um, que era a da plataforma. Outra vez sobem e descem passageiros. Quando o trem parte, já eram mais de oito horas, e mais de quarenta minutos atrasados. No caminho, desta vez ele para rapidamente em Aracaçu, depredada, e em Engenheiro Hermilo. Em seguida, Angatuba. Parte rapido por causa do atraso. Quinze minutos mais, e chega a Rechan. As paisagens passam à frente de nossos olhos, casas, vacas, fazendas, pastagens... até que chegamos perto de Itapetininga, e aos poucos a paisagem rural vai dando lugar à urbana, até entrarmos na estação. O trem para para troca de locomotiva, agora da diesel para a elétrica, e desta vez tudo acontece rapidamente: menos de cinco minutos e estamos prontos para partir. Depois de pararmos em Morro do Alto, seguimos para Tatuí. Aí permanecemos por um tempo um pouco maior, porque o trem teve de embarcar um enxame de alunos de uma escola primária, que iam a Sorocaba em excursão, e que ocuparam praticamente todo o carro traseiro. Uma verdadeira festa. Partimos de novo, e, com pouco mais de meia hora, atingimos a estação de Iperó. Aí se vê o enorme pátio onde estão abandonados dezenas de carros e vagões, enferrujados e depredados. Depois da curta parada, o trem segue e, em pouco mais de dez minutos, passa dentro da Fazenda Ipanema, onde funcionou a Fábrica de Ferro Ipanema, primeira siderúrgica do Brasil, desativada há cem anos, chega a George Oeterer, onde mais gente sobe e desce. Logo depois o trem já chega à zona urbana de Sorocaba, onde favelas podem ser vistas de todos os lados. Finalmente, o trem reduz a velocidade e entra na estação. Chegamos a Sorocaba. A viagem acabou, descem todos os passageiros, inclusive aquele monte de estudantes que correm para tomar um ônibus que os estava esperando à frente da estação. Eram 12:35, com trinta e cinco minutos de atraso
" (relato de Ralph M. Giesbrecht - do livro Um dia o trem passou por aqui - a história e as estórias dos trens de passageiros do Estado de São Paulo e as saudades que eles deixaram, Ralph M. Giesbrecht, RMG, 2001).