E. F. do Norte
(São Paulo)

 

E. F. do Norte / Central do Brasil
(1875-1908)

Bitola: métrica


Acima, a estação do Norte em 1889, quando daqui partia o trem da E. F. do Norte no sentido de Cachoeira e Rio de Janeiro. Desde 1946, a estação, hoje totalmente modificada, se chama Roosevelt (acervo M. Tallamo).

Acima, a estação de Cachoeira no início do século XX, onde, até 1901/2, se fazia a baldeação dos trens da bitola métrica para os trens da bitola larga, da E. F. Dom Pedro II, depois Central do Brasil. Hoje, a estação, renomeada Cachoeira Paulista, está em ruínas, embora pouco diferente da original (Acervo Preserve).


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Nota: As informações contidas nesta página foram coletadas em fontes diversas, mas principalmente por entrevistas e relatórios de pessoas que viveram a época. Portanto é possível que existam informações contraditórias e mesmo errôneas, porém muitas vezes a verdade depende da época em que foi relatada. A ferrovia em seus 150 anos de existência no Brasil se alterava constantemente, o mesmo acontecendo com horários, composições e trajetos (o autor).

A Estrada de Ferro do Norte, também chamada de E. F. São Paulo ao Rio de Janeiro, iniciou suas operações em 1875 em bitola métrica, a partir da estação do Norte, ao lado da estação Brás da São Paulo Railway, para ligar São Paulo a Cachoeira (Cachoeira Paulista), onde se encontraria, em 1877, com a E. F. Dom Pedro II, em bitola larga, para dali, com baldeação de composições, seguir até o Rio de Janeiro. Em 1890, o alto custo dessas baldeações fez com que a E. F. D. Pedro II, já renomeada como E. F. Central do Brasil, comprasse a linha. Entre 1901 e 1908, a Central retificou e alargou a bitola por trechos da antiga E. F. do Norte e renomeou o novo ramal como Ramal de São Paulo.

Percurso: Estação do Norte (atual Roosevelt) - Cachoeira (atual Cachoeira Paulista), aproximadamente pelo trecho do Ramal de São Paulo, da Central.
Origem da linha:

A linha foi construída originalmente em bitola métrica pela E. F. do Norte, e aberta em 1875. Comprada pela Central do Brasil em 1890, teve a bitola alargada para 1,60 m em 1908 e posteriormente foi duplicada e eletrificada nos anos 1950. A linha que hoje existe entre as duas estações acima foi bastante remodelada no século XX, mas o seu traçado é bastante semelhante ao atual, tendo, entretanto, algumas estações que existiam no tempo da bitola métrica sido eliminadas da linha quando das retificações (como Quiririm e Itaquera, por exemplo).

Carl von Koseritz (1830-1890), alemão de Dessau, em seu livro Imagens do Brasil (Livraria Martins Editora - Editora da USP, 1972, reedição) escreveu uma descrição da viagem de trem na E. F. do Norte, em 1883, na verdade, a continuação da sua viagem vinda do Rio para São Paulo: (...) Depois disto chegamos a Cachoeira, a grande estação onde se para durante 20 minutos, e onde os passageiros para São Paulo saltam e baldeiam para o Trem da Estrada de Ferro do Norte de São Paulo. (...) Cachoeira é uma boa cidade, já com visível caráter paulista. Sobre a colina há um hotel no qual os passageiros que não trouxeram provisões almoçam habitualmente, mas como devem tomar lugares e se ocupar das bagagens é freqüente deixarem o almoço em meio. Nós tínhamos almoçado cedo e, por isto, pude transportar com calma todo o meu povinho e as cestas, sacos, bolsas de viagem, malas de mão, etc., assim como arrumar tudo no carro da Estrada do Norte e ainda providenciar o seguimento das grandes malas, o que é sempre necessário, pois a ordem ali reinante não é das melhores. Aliás, é chocante a diferença entre a brutalidade dos empregados da Estrada do Norte. Não se ganha com a mudança porque os carros são bem elegantes, mas estreitos e incômodos. A bitola é estreita e por isto os carros também o são e falta-lhes comodidade. Os gabinetes de toilette são apertados, não há mesas e os lugares são demasiado estreitos para serem cômodos. Arranjamos com grande dificuldade a nossa bagagem miúda e o carro se encheu de tal forma que nós estávamos como sardinhas em lata. A cidade fica à beira do Paraíba e causa boa impressão. Finalmente a máquina apita, o trem põe-se em movimento e nós iniciamos a segunda parte de nossa viagem, a qual não é somente mais incômoda como também mais tediosa, apesar dos numerosos lugares a cuja vista se passa, - mais tediosa porque a gente abandona o Paraíba e percorre uma região de campos, levemente ondulada e tendo espaçadamente alguns capões de mato, tal e qual no nosso Rio Grande. Alem disto o sol de meio-dia é impiedoso e a gente sua a valer no estreito carro superlotado. A poeira de São Paulo não é mais agradável que a de Minas ou do Rio, mas parece mais abundante. Poeira e suor são duas

Horários do trem em 1886. A estação da Penha era, ao que parece, a pequena estação que existia onde alguns anos mais tarde foi construída a estação de Guaiaúna, depois Carlos de Campos. Pelo tempo de viagem, o trem não parava na estação de Itaquera, que não aprece no horário, mas que supostamente já existia. Lageado era a atual Guaianazes. Note-se que em Caçapava parecia haver troca de trens em dois dos trÊs horários existentes. Cachoeira era o ponto final, e "Corte" era a estação do Rio de Janeiro, que se alcançaria pelos trens da então E. F. Dom Pedro II (Almanaque da Província de São Paulo, 1887).
coisas que se entendem bem, mas cuja reunião não é muito agradável para aquele que a experimenta. O fato é que todos nós começamos a apresentar um aspecto mais ou menos ruim, pois espessas camadas de pó desciam sobre nós. Isto é uma condição altamente desagradável para as viagens de trem de ferro no Brasil, e também em outros lugares; mas como se pode vencer cerca de 500 quilômetros em um dia suporta-se tal inconveniente. Era cerca de 1 hora quando o trem chegou à primeira estação da Estrada do Norte, Lorena. Lorena é uma cidade bonita e regularmente grande, possuindo uma bela igreja. A parada foi curta e um quarto de hora depois estávamos em Guaratinguetá, localidade grande e bonita, com duas belas igrejas, elegantes casas e bem cuidados jardins. Depois de Barra Mansa é a mais bonita localidade nesse percurso de 294 quilômetros. Passados poucos minutos se chega ao povoado de Aparecida, onde também se para. Ali se acha, como monumento mais importante a grande e velha igreja, com um convento também velho, o qual não sei se ainda está habitado ou se já passou a propriedade do Estado. Estamos aqui em plena região dos campos e em certos pontos de vista até as minhas filhas acharam semelhança com o trajeto cortado pela Leopoldense (nota do autor do site: ele fala da E. F. Porto Alegre-São Leopoldo). Se não fosse o café, cuja linha escura barrava o horizonte das colinas distantes, poder-se-ia realmente crer que se estava no Rio Grande. Passada a pequena estação de Roseira chegamos a 1 hora e três quartos a Pindamonhangaba, onde eu desceria com prazer pois tinha prometido ao Barão Homem de Melo (nosso antigo Presidente) visitar a sua fazenda, que fica a meia hora da cidade. Ele a quer colonizar, pois o café não dá mais e há falta de trabalhadores. Mas nós tínhamos pressa, e por isto não pude cumprir a promessa, o que me fez pena. A cidade de Pindamonhangaba, que é bem importante, fica longe da estação, mas causa uma impressão agradável e possui uma grande Igreja. Às 2 e meia chegamos a Taubaté, depois de percorrermos 343 quilômetros. Taubaté é também uma cidade relativamente importante, mas dela pouco vi, pois a Estação, muito grande, barrava a vista. Às 2 e 40 chegamos a Caçapava, um velho lugar com casas estragadas e sem jardins. (...) A pequena estação de São José, que atingimos pelas 3 e um quarto, não oferece nada de notável, e prosseguimos pelos campos até que às 3 e 40 chegamos à estação de Jacareí, uma grande e bonita cidade, a qual paradoxalmente tem uma estação muito pequena, embora muito animada. (...) Já nos aproximávamos do Tietê e a zona ficava de novo montanhosa. Logo passamos um túnel e chegamos diante do Tietê, o qual atravessamos em uma boa ponte de ferro. Pelas 4 horas e 12 minutos passamos na estação de Guararema, que não tem nada de interessante. O lugar é pequeno e há pouca vida na estação. Às 4 e 48 chegamos ao último ponto de parada antes de São Paulo, Mogi das Cruzes, tendo completado cerca de 450 quilômetros. É uma localidade grande e bonita, encantadoramente situada e possuindo três grandes igrejas. O sol se inclina, já, bastante para oeste, os seus raios são menos fortes e uma brisa fresca faz o percurso agradável, apesar da enorme poeira. Aqui poder-se-ia crer que se estava no rio Grande. Trepadeiras de rosas, que eu não via desde Santa Catarina se estendiam ao longo da estrada, o campo se desenrolava a perder de vista, não se via mais morros de café, apenas aqui e ali capões com as árvores dos nossos bosques. Da região tropical que deixamos pela manhã nada mais resta, nem mesmo o clima, pois agora está bem fresco. Passamos sem parar nas duas estações de Lageado e Penha. O sol já tomba por detrás das colinas e o horizonte se ilumina com o crepúsculo. São 6 horas e o trem apita: chegamos a São Paulo. Logo entra o trem na grande estação do Norte, onde reina a mesma ordem modelar do Rio. Fiz desembarcar minhas bagagens de mão e entreguei-as, com o boletim de registro das outras, a um carregador numerado, que deve levar tudo para o "Grand Hotel", onde eu reservara aposentos desde a véspera por telegrama. (...)